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Sep 18, 2011

..." A evolução da beleza" (artigo de Anabela Natário Publicado na Única (Expresso de 28.08.2011 )

O texto integral do artigo pode ser lido aqui.
(...)
"Olhemos para uma daquelas estátuas de menina que os artistas do século VI a.C. esculpiam...", começa por dizer Umberto Eco, na sua "História da Beleza". "Os pitagóricos teriam explicado que a rapariguinha era bela porque nela um justo equilíbrio dos humores produzia um colorido agradável e porque os seus membros estavam numa relação certa e harmónica, dado que eram regulados pela mesma lei que regia a distâncias entre as esferas planetárias. O artista do século VI estava obrigado a realizar aquela beleza imponderável de que falavam os poetas e que ele próprio teria captado numa manhã de primavera, observando o rosto da rapariga amada, mas obrigado a ter de a realizar na pedra e concretizar a imagem da rapariga numa forma."

Avançando até à Renascença, assiste-se a uma nova visão e utilização do corpo, apoiada na redescoberta e recriação da Antiguidade Clássica. Entre o fim do século XIII e o princípio do XVII, o corpo passa a ser algo que se deve enfeitar com arte e de modo a ver-se bem. Os ourives criam peças para ostentar pelo corpo, artigos concebidos "segundo cânones de harmonia, proporção e decoro", como refere o professor italiano licenciado em Estética, lembrando que "o Renascimento é um período de empreendimento e atividade para a mulher, que na vida de corte dita leis na moda, se adequa ao fausto imperante, mas não se esquece de cultivar a sua mente, participa ativamente nas belas-artes, tem capacidades discursivas, filosóficas e polémicas".

"Mais tarde, o corpo da mulher, que se mostra publicamente, será contrabalançado pela expressão privada, intensa e quase egoísta dos rostos, de não fácil decifração psicológica e, por vezes, intencionalmente misteriosa: eis a Vénus de Urbino de Ticiano ou a mulher da Tempestade de Giorgione. A Vénus de Velázquez aparece-nos de costas, enquanto só lhe percebemos o rosto por reflexo, no espelho.

Artificialidade do espaço e caráter fugidio da beleza feminina encontrar-se-ão ainda, nos séculos seguintes, nas mulheres de Fragonard, em que o caráter onírico da beleza preludia já a extrema liberdade da pintura moderna: se não há vínculos objetivos para a representação da beleza, porque não colocar uma bela nudez numa merenda burguesa sobre a relva?"




Quanto ao corpo do homem, por esta época, o entendimento é diferente. Quando eles são retratados, não interessam as regras da proporção e da simetria, sim personificar o poder ou, talvez, dar o grito do Ipiranga em relação aos preceitos clássicos. "As formas do corpo não escondem a força nem os efeitos do prazer: o homem de poder, gordo e entroncado, quando não musculoso, tem e ostenta os sinais do poder que exerce. Certamente não são esbeltos Ludovico, o Mouro, nem Alexandre Bórgia (que goza da fama de objeto de desejo das mulheres do seu tempo), nem Lourenço, o Magnífico, nem Henrique VIII. E, se Francisco I de França, no retrato de Jean Clouet, dissimula debaixo de amplas vestes a sua esbelteza démodée, a sua amante Ferronière, retratada por Leonardo, enriquece a galeria de olhares femininos indecifráveis e fugidios", diz Umberto Eco.



Seja como for, para a mulher e para o homem, o ideal de beleza foi mudando e... repetindo-se. A dada altura, regressámos aos tempos em que gordura volta a ser formosura e as mulheres se querem pequenas como a sardinha.

Foi no século VIII e, na centúria de 20, depois da morte dos espartilhos e das cinturas finíssimas, quando o corpo feminino se libertou, literalmente. Não chegou às formas do paleolítico, mas andou perto...
Só que, entretanto, surgiu a inglesa Lesley Hornby, mais conhecida por Twiggy, a primeira supermodelo do mundo, que impôs, no final dos anos 1960, o corpo franzino, o cabelo curto e olhos rasgados encimados por longas sobrancelhas, transmitindo um ar andrógino.
A partir daí, os corpos foram-se querendo, por força dos desfiles de moda, cada vez mais finos, esquálidos, mesmo. Tanto de mulheres como de homens. O primeiro sinal foi dado pela Calvin Klein, nos anos 1990, quando fotografou a modelo Kate Moss, seminua, macérrima, com ar de viciada em drogas duras. E todos começaram a aparecer muito magros, olheirentos, num estilo de "heroinómanos chiques". De tal forma se regressou ao fino, mas acrescentando-lhe o ar de doente terminal, que alguns países resolveram impedir a disseminação da ideia de que magreza é beleza.

Em 2006, o governo regional de Madrid proibiu desfiles de looks anoréticos e a polémica resolução foi bem aceite pela Cibele, uma das mais importantes semanas da moda europeias que decorre anualmente na capital espanhola. Perto de 40 por cento das manequins foram vetadas: todas as que apresentavam um aspeto doentio e um índice de massa corporal abaixo dos 18.
"Estamos magras mas não doentes", queixaram-se as excluídas, estranhando o comportamento espanhol (em França e em Inglaterra houve apelos no mesmo sentido, mas não se chegou a medidas drásticas). As modelos poderão ter alguma razão, face às exigências do outro lado do mundo.


Ainda no passado mês de outubro, a Ralph Lauren despediu uma das suas modelos com o argumento de que era muito gorda, isto depois de abusar do Photoshop (ver post no esqueciaana) para lhe adelgaçar o corpo nas fotos das suas campanhas publicitárias e com tanto exagero que a modelo aparecia com a cabeça muito mais larga do que o corpo. Ora, Filippa Hamilton, de 23 anos, que trabalhava para a marca desde 2002, pesava 54 quilos e media 1,77 de altura, com estes números não poderia desfilar em Espanha e, segundo a Organização Mundial de Saúde, o seu peso ideal deveria ser de 70,9 kg...

(a modelo com tratamento de imagem e a modelo quando despedida).
De facto, o mundo parece esquizofrénico. Nos Estados Unidos, onde os corpos do cidadão comum são cada vez mais volumosos, a marca que redefiniu o "estilo americano" quer cabides. Na Alemanha, a revista feminina de maior tiragem (Brigitte post no esqueciaana)decidiu substituir as fotografias de corpos de manequins moldados por programas informáticos por "mulheres reais". A causa? A diretora da publicação, Andreas Lebert, disse estar farta de engordar corpos com Photoshop para que as raparigas parecessem pessoas normais. "O peso médio das modelos é cerca de 23% menor do que a maioria das mulheres", disse, adiantando que também tinha recebido muitas queixas de leitoras incapazes de se identificarem com as modelos das capas.
(páginas da revista Brigitte; a 'modelo' trabalha numa loja)
O corpo, independentemente da beleza, é o património natural do ser humano. "As sociedades humanas agem sobre o corpo através de regras de etiquetas, sanções e proibições, de prémios e castigos, de leis e penas e tudo isso se reflete na forma de andar, sentar, dormir, amar, de se alimentar, etc. Nesse sentido, o corpo é uma encruzilhada de acontecimentos culturais e sociais, animais e psíquicos, uma confluência de fenómenos, uma rede de emoções, uma teia de movimentos, um repertório inesgotável de gestos", dizia, no século XIX, o pensador brasileiro José Carlos Rodrigues.
(fotografia de Stephen Chernin nos bastidores da Semana da Moda de NY 2011) 

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