Damos notícia de mais um trabalho de investigação que contribui para um melhor conhecimento da situação das doenças do comportamento alimentar em Portugal e fornece algumas informações preciosas para uma política e comportamentos de prevenção. Parabéns à Investigadora!
Foi recentemente defendida por Rita Mafalda Costa Francisco, uma Tese de Doutoramento na Faculdade de Psicologia de Lisboa cujo título é: Perturbações alimentares na adolescência : coreografias protectoras e de risco em bailarinos e ginastas . A Tese pode ser lida na íntegra aqui.
Fica abaixo o resumo e o convite à leitura. [os bold no Resumo e os parágrafos são do esqueciaana]
"Enquanto desportos estéticos, a dança clássica e a ginástica são considerados contextos de risco para o desenvolvimento de perturbações alimentares na adolescência. Nesta dissertação pretende-se compreender os processos subjacentes a esse risco, tendo como base teórica uma perspectiva ecossistémica e conceptualizando as perturbações alimentares como um continuum, desde as preocupações com o peso e comportamentos restritivos até às perturbações alimentares enquanto doença psiquiátrica.
Utilizando metodologias qualitativas e quantitativas, num processo de investigação abdutivo, exploraram-se relações entre o comportamento alimentar perturbado e variáveis específicas destes contextos, bem como com variáveis sócio-relacionais, familiares e individuais de jovens bailarinos e ginastas.
No primeiro estudo, de carácter qualitativo e exploratório da realidade portuguesa em que se inserem os jovens bailarinos e ginastas de elite, realizaram-se quatro focus groups com estudantes de dança de ensino profissionalizante e ginastas de alta competição, de ambos os sexos (N = 24; 12-17 anos).
Utilizando uma metodologia de análise indutiva-dedutiva, foram identificados diversos factores de risco e factores protectores específicos, associados a diversas fontes de influência. A pressão para a magreza, enquanto regra implícita da sub-cultura dos desportos estéticos de elite, e enquanto regra explícita, transmitida na escola de dança/clube de ginástica, por exemplo, através de comentários críticos sobre o peso, alimentação e imagem corporal (especialmente por parte dos professores/treinadores), é considerada o factor de risco mais importante. Todavia, os pares e os pais parecem ter também um papel relevante na protecção ou risco de desenvolvimento de comportamentos alimentares perturbados entre estes adolescentes.
Numa etapa intermédia desta investigação, procedeu-se à adaptação e estudo da validação de um instrumento de avaliação da insatisfação com a imagem corporal para adolescentes e adultos (N = 1423), a Contour Drawing Rating Scale (M. A. Thompson & Gray, 1995), bem como de um instrumento de avaliação de factores de risco e factores protectores do desenvolvimento de perturbações alimentares para adolescentes (N = 793), o McKnight Risk Factor Survey-IV (The McKnight Investigators, 2003), em relação ao qual se adaptou também uma versão masculina que não existia originalmente. Ambos os instrumentos revelaram boas qualidades psicométricas, pelo que foram utilizados nos três estudos empíricos seguintes, de cariz quantitativo, juntamente com outros instrumentos, de forma a avaliar o comportamento alimentar perturbado, a auto-estima, a vinculação aos pais e a percepção de pressão para a magreza e de suporte no contexto desportivo.
No primeiro estudo empírico quantitativo, compararam-se potenciais factores de risco, factores protectores e nível de comportamento alimentar perturbado, bem como a relação entre estes, em atletas de desportos estéticos de elite, atletas não-elite e num grupo de controlo de adolescentes da população em geral (N = 725; 12-22 anos).
Entre as raparigas, as atletas elite apresentaram maior risco de desenvolvimento de perturbações alimentares que as atletas não-elite e raparigas do grupo de controlo, enquanto os três grupos de rapazes não diferiram entre si. Por outro lado, as análises multi-grupos, realizadas com recurso a modelos de equações estruturais, revelaram diferenças quanto à relação entre os factores de risco incluídos no modelo e o comportamento alimentar perturbado dos adolescentes dos três grupos.
Apesar da relevância da pressão social como preditora de comportamento alimentar perturbado (que corresponde ao preditor mais forte entre os atletas não-elite e grupo de controlo), entre os atletas elite a insatisfação com a imagem corporal contribui ainda mais para a explicação da variância do seu comportamento alimentar perturbado. Este grupo de atletas é, também, o único em que as influências parentais assumem significância enquanto preditor (directo e indirecto) do comportamento alimentar perturbado.
Estes resultados indicam, assim, eventuais especificidades individuais e dos contextos familiares dos atletas elite que suscitaram o desenho dos estudos seguintes, já que os grupos de controlo e atletas não-elite se revelaram mais semelhantes entre si.
Para examinar diversas influências familiares na insatisfação com a imagem corporal e comportamento alimentar perturbado de atletas elite (comparativamente com um grupo de controlo), recorreu-se também a uma amostra de pais (223 mães e 198 pais), em relação aos quais se avaliou a insatisfação com a imagem corporal e o nível de comportamento alimentar perturbado. Em termos de valores médios das variáveis familiares investigadas, atletas e grupo de controlo diferirem apenas nalguns padrões de vinculação insegura aos pais. Todavia, surgem diferenças nas variáveis familiares que contribuem para a explicação da variância da insatisfação com a imagem corporal e do comportamento alimentar perturbado nos dois grupos. A variável influências parentais, sob a forma de comentários críticos em relação ao peso e importância da magreza para os pais, foi considerada a única variável familiar preditora entre os atletas, segundo os modelos de regressão múltipla. Por seu turno, entre os adolescentes em geral, para além das mesmas influências parentais, também a qualidade do ambiente familiar e a modelagem de alguns comportamentos maternos em relação ao peso e alimentação parecem ter um impacto importante.
Assim, os pais de atletas devem ser incluídos nos eventuais programas de prevenção a ser desenvolvidos, pois comentários positivos em relação ao desempenho dos atletas e comentários que valorizem a saúde e o bem-estar físico, em detrimento da magreza, poderão ser promovidos e revelar-se potenciadores de comportamentos alimentares mais saudáveis.
Por último, compararam-se especificamente variáveis individuais e contextuais entre os atletas, separando bailarinos (n = 113) e ginastas (n = 136) por sexo e nível de competição. As bailarinas de nível recreativo mostraram menor risco de desenvolvimento de perturbações alimentares que as restantes atletas, sendo que, entre os rapazes, não se verificaram diferenças. Uma usefulness analysis revelou que um indicador de insatisfação com a imagem corporal específica para a prática da modalidade é um melhor preditor de comportamento alimentar perturbado entre os atletas do que o indicador de insatisfação com a imagem corporal geral. A análise de regressões hierárquicas revelou ainda que, para além da baixa auto-estima e da insatisfação com a imagem corporal, a percepção de pressão para a magreza no contexto desportivo (mas não a fraca percepção de suporte) é preditora de comportamento alimentar perturbado nos atletas, sendo efectivamente mais relevante do que a prática da modalidade ao nível de alta competição ou não. Este é um dado importante e que pode facilitar o desenho de intervenções preventivas eficazes.
A prática de desportos estéticos de elite parece colocar as raparigas em maior risco de desenvolvimento de perturbações alimentares, comparativamente com as raparigas da população em geral. Contudo, tal parece verificar-se, sobretudo, com as bailarinas, cuja prática a um nível recreativo parece ser até protectora, já que as bailarinas não-elite apresentam comportamento alimentar significativamente menos perturbado que as raparigas da população em geral.
Pelo contrário, as praticantes de ginástica não-elite apresentam nível semelhante de comportamento alimentar perturbado ao das ginastas elite, diferindo também menos entre si nos factores de risco estudados, nomeadamente em relação à insatisfação com a imagem corporal. Para os rapazes, todavia, a prática de desportos estéticos não parece constituir um factor de risco adicional.
Não pretendendo alterar a cultura dos desportos estéticos, em que a regra “magreza=sucesso” está bastante enraizada, diversas pistas para a prevenção de perturbações alimentares em atletas podem ser delineadas com base nos resultados dos vários estudos realizados, de forma a dotar os seus intervenientes de ferramentas que proporcionem aos atletas uma vivência mais positiva e saudável do seu corpo. Neste sentido, para além de um trabalho mais individualizado, o papel que os pais e os intervenientes no contexto desportivo (professores/treinadores, pares) mostraram desempenhar em relação ao comportamento alimentar perturbado dos atletas, constitui uma indicação da necessidade de os incluir nas acções preventivas (participativas e ecológicas), que devem ser desenvolvidas em escolas de dança de ensino profissionalizante e em clubes de ginástica onde treinem atletas de diversos níveis de competição." A Tese pode ser lida na íntegra aqui.
(fotografia de Caeser Lima)
(fotografia de Caeser Lima)
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