Numa entrevista dada ao jornal Publico a resposta de António Damásio fez-me pensar na distorção da imagem do próprio corpo sentida por alguns doentes com anorexia. Acham que esta minha associação está errada ou que o avanço do conhecimento neste domínio poderá contribuir para dar resposta aos (ainda) tão desconhecidos aspectos da anorexia nervosa?
P: As imagens do nosso próprio corpo são sentimentos?
Resposta de António Damásio [bolds do esqueciaana]
Sim, só que os mapas do corpo são diferentes dos mapas do mundo exterior. De facto, se há algo de novo no meu último livro [O livro da consciência]— algo que penso há muito tempo, mas que só agora consegui finalmente verbalizar numa forma que me agrada —, consiste em dizer que as imagens do corpo são imagens de uma natureza diferente das imagens do exterior. Porquê? Porque são imagens que começam a ser geradas ao nível do tronco cerebral, numa região do cérebro que está naquilo que eu descrevo no livro como uma união, uma fusão praticamente completa com o corpo. E o que isso vai permitir do ponto de vista teórico — e também prático, julgo eu — é fazer com que essas imagens não sejam só imagens cognitivas, divorciadas do seu objecto, mas sim imagens ligadas ao seu objecto, que é o corpo. Ou seja, imagens sentidas.
Ora isso prende-se com um problema absolutamente central, que inúmeros filósofos e neurocientistas têm enfrentado. É o problema dos qualia — a dificuldade de explicar que nós não só temos imagens, mas que também sentimos essas imagens. Quando olhamos para o mar, não vemos apenas o azul do mar, sentimos que estamos a viver esse momento de percepção.
Muitas pessoas têm dito que isto é impossível de compreender, que é algo que está fora do campo das neurociências. Mas eu acho que existe a possibilidade de que o modelo que acabei de descrever resolva o problema dos qualia. É óptimo vislumbrar a possibilidade de ligar coerentemente os sentimentos e a consciência. Por exemplo, neste momento, você tem uma imagem de mim, que está a construir a nível visual, mas também a nível auditivo. Mas há também uma outra imagem que surge ao mesmo tempo na sua mente: a imagem do seu próprio organismo, que está a ser gerada automaticamente no seu tronco cerebral e representada na sua ínsula [uma região do córtex cerebral]. Ora, essa imagem é uma imagem que, por estar ligada a si, está ao mesmo tempo a produzir um mapa que é sentimento. E é aí que me parece que está o grande segredo de criar uma consciência sentida e não uma consciência de autómato.
Imagem de Giuseppe Mastromatteo retirada daqui.