Vogue ataca criadores de roupas "minúsculas"
notícia de Joana Amaral Cardoso no jornal Público
notícia de Joana Amaral Cardoso no jornal Público
(à esq. fotografias da última capa da VOGUE portuguesa e fotografia da Alexanda Shulman)
Nesta história, só a culpa não tem tamanho. A polémica do "tamanho zero" e da magreza excessiva foi reacendida pela directora da Vogue UK a Ela é um dos pesos-pesados da moda. E decidiu enviar uma carta a dezenas de criadores e designers de moda europeus e americanos a queixar-se de uma questão de leveza: eles enviam-lhe roupas "minúsculas" para as produções da sua revista - a Vogue - e isso obriga-a a contratar modelos irrealmente magras. A carta de Alexandra Shulman, directora da Vogue britânica [desde 1992], já fez o seu papel: relançou o debate sobre o chamado "tamanho zero".
Alexandra Shulman pesou bem as suas palavras na carta enviada no final de Maio e que não se destinava ao conhecimento dos media, mas que foi revelada sábado pelo Times. "Chegámos ao ponto em que muitos dos tamanhos das peças de mostruário não servem às modelos-estrela, já estabelecidas [no mercado], de forma confortável", lê-se na carta enviada às casas - Prada, Versace, Yves Saint Laurent, Balenciaga - e aos criadores - Karl Lagerfeld, John Galliano, Stella McCartney, Alexander McQueen - mais conceituados do mundo.
Shulman, juntamente com as directoras das Vogue de Nova Iorque, Paris e Milão, é considerada uma das vozes mais influentes na indústria. Mais de dois anos depois de ter eclodido a discussão sobre o peso dos manequins e modelos nas passerelles, na sequência da morte de duas modelos sul-americanas por subnutrição e da proibição de modelos demasiado magras (o tal "tamanho zero" na tabela americana, que corresponderia a um tamanho 30 na tabela europeia) nas passerelles de Madrid, Nova Iorque e Milão, agora o dedo é apontado aos criadores de moda. Até aqui, o peso da questão estava sobre os manequins.
De acordo com Shulman, as roupas tornaram-se "substancialmente mais pequenas", obrigando revistas como a sua a contratar manequins com "ossos salientes e sem peito ou ancas". Alexandra Shulman diz que já se viu obrigada a "retocar" fotografias para tornar as modelos mais cheias e afirma ter decidido apelar aos designers porque "o feedback dos leitores e a sensação geral no Reino Unido é de que as pessoas não querem ver raparigas tão magras". Ontem, os jornais britânicos espelhavam o apoio à directora da Vogue: a associação que combate os distúrbios alimentares Beat acha "muito encorajador ver a Vogue a tomar uma posição destas"; a ex-modelo e actual vice-directora da Semana de Moda de Londres Erin O'Connor considerou a carta "um grande avanço"; a editora de moda do Telegraph, Hillary Alexander, apoia "totalmente" a iniciativa, que já vem tarde e que deve ter o apoio das outras revistas.
A moda é um negócio
Em revistas como a Vogue, com meses de preparação a anteceder cada produção de moda, as roupas-amostra são recebidas cerca de seis meses antes de chegarem às lojas, sendo exemplares quase únicos e em torno dos quais se tem mesmo que trabalhar. Paulo Gomes, produtor de moda, explicou ao P2 que a questão da diminuição dos tamanhos - "nos últimos anos, mesmo em Portugal, já há alguns criadores que usam o tamanho 34" para as suas peças de amostra - pode dever-se a uma deformação recente do mercado: já antes da crise global, as grandes casas passaram a fazer apenas uma colecção de sample que viaja pelo mundo, quando antes havia pelo menos uma para cada continente.
E como a moda "é um negócio, não tem a ver com anorexias nem nada disso", atenta Paulo Gomes, e dado que na Ásia (um dos mercados mais ricos) os tamanhos são de facto mais pequenos, isso pode explicar o domínio do 34. Na sua experiência, recorda casos em que já lhe chegaram peças, sobretudo casacos mais estruturados, em que os braços e cavas eram estreitos ao ponto de não permitirem braços de modelos mais cheios.
Mas, em termos de bastidores, o produtor de moda português ficou espantado com o teor da carta de Shulman, nesta que é a primeira vez em que uma revista de moda enfrenta os criadores quanto aos tamanhos das roupas. "Parece-me estranho. Se fosse outra revista, como a Marie Claire...", exemplifica. "Mas as directoras da Vogue de Nova Iorque, Paris, Milão têm sempre uma palavra a dizer [sobre as peças] antes da própria apresentação ao público", gozando de um acesso privilegiado aos grandes criadores. Pelo que a selecção das peças para produções de moda sempre lhe pareceu que "pressupõe uma cumplicidade, um consenso".
Os criadores visados pela carta ainda não reagiram publicamente, mas outros designers chamam a atenção para o que consideram ser "o ciclo vicioso" da moda e das suas imagens de magreza/beleza. Dino Alves, criador português, não concorda com as culpas atribuídas por Shulman aos designers. "Os tamanhos que fazemos como protótipos, para os desfiles, são 36, o que me parece ser absolutamente razoável", explica ao P2. São roupas para modelos, assim chamados por alguma razão, aponta: "São modelos estéticos, de beleza". E sim, "há peças que indiscutivelmente assentam melhor em corpos mais magros", admite. Para ele, nem modelos nem criadores são únicos responsáveis pela associação da moda à anorexia e outros distúrbios alimentares: o criador português defende que "se deveria reforçar o acompanhamento e a atenção que a família dá".
O debate está novamente lançado, com o ónus sobre os criadores. Mas nas palavras da supermodelo e empresária Heidi Klum (que veste o 36/38), na moda, num dia está-se in e no outro está-se out. No fim de 2006, Flor, uma das mais requisitadas modelos portuguesas, dizia ao PÚBLICO: "Os manequins são magros, é assim, é o que os estilistas querem, o que as revistas querem, é o padrão de beleza". Ontem, o designer italiano Kinder Aggugini, que trabalhou com John Galliano e Calvin Klein, dizia ao Guardian que "se amanhã todas as revistas, agências de modelos e stylists usassem raparigas maiores, então os criadores também o fariam". Ou seja, como um belo chapéu (ou carapuça), a tendência "tamanho zero" tem culpas que servem a quase todos - modelos, agências, criadores, editores de moda e até celebridades.
Alexandra Shulman pesou bem as suas palavras na carta enviada no final de Maio e que não se destinava ao conhecimento dos media, mas que foi revelada sábado pelo Times. "Chegámos ao ponto em que muitos dos tamanhos das peças de mostruário não servem às modelos-estrela, já estabelecidas [no mercado], de forma confortável", lê-se na carta enviada às casas - Prada, Versace, Yves Saint Laurent, Balenciaga - e aos criadores - Karl Lagerfeld, John Galliano, Stella McCartney, Alexander McQueen - mais conceituados do mundo.
Shulman, juntamente com as directoras das Vogue de Nova Iorque, Paris e Milão, é considerada uma das vozes mais influentes na indústria. Mais de dois anos depois de ter eclodido a discussão sobre o peso dos manequins e modelos nas passerelles, na sequência da morte de duas modelos sul-americanas por subnutrição e da proibição de modelos demasiado magras (o tal "tamanho zero" na tabela americana, que corresponderia a um tamanho 30 na tabela europeia) nas passerelles de Madrid, Nova Iorque e Milão, agora o dedo é apontado aos criadores de moda. Até aqui, o peso da questão estava sobre os manequins.
De acordo com Shulman, as roupas tornaram-se "substancialmente mais pequenas", obrigando revistas como a sua a contratar manequins com "ossos salientes e sem peito ou ancas". Alexandra Shulman diz que já se viu obrigada a "retocar" fotografias para tornar as modelos mais cheias e afirma ter decidido apelar aos designers porque "o feedback dos leitores e a sensação geral no Reino Unido é de que as pessoas não querem ver raparigas tão magras". Ontem, os jornais britânicos espelhavam o apoio à directora da Vogue: a associação que combate os distúrbios alimentares Beat acha "muito encorajador ver a Vogue a tomar uma posição destas"; a ex-modelo e actual vice-directora da Semana de Moda de Londres Erin O'Connor considerou a carta "um grande avanço"; a editora de moda do Telegraph, Hillary Alexander, apoia "totalmente" a iniciativa, que já vem tarde e que deve ter o apoio das outras revistas.
A moda é um negócio
Em revistas como a Vogue, com meses de preparação a anteceder cada produção de moda, as roupas-amostra são recebidas cerca de seis meses antes de chegarem às lojas, sendo exemplares quase únicos e em torno dos quais se tem mesmo que trabalhar. Paulo Gomes, produtor de moda, explicou ao P2 que a questão da diminuição dos tamanhos - "nos últimos anos, mesmo em Portugal, já há alguns criadores que usam o tamanho 34" para as suas peças de amostra - pode dever-se a uma deformação recente do mercado: já antes da crise global, as grandes casas passaram a fazer apenas uma colecção de sample que viaja pelo mundo, quando antes havia pelo menos uma para cada continente.
E como a moda "é um negócio, não tem a ver com anorexias nem nada disso", atenta Paulo Gomes, e dado que na Ásia (um dos mercados mais ricos) os tamanhos são de facto mais pequenos, isso pode explicar o domínio do 34. Na sua experiência, recorda casos em que já lhe chegaram peças, sobretudo casacos mais estruturados, em que os braços e cavas eram estreitos ao ponto de não permitirem braços de modelos mais cheios.
Mas, em termos de bastidores, o produtor de moda português ficou espantado com o teor da carta de Shulman, nesta que é a primeira vez em que uma revista de moda enfrenta os criadores quanto aos tamanhos das roupas. "Parece-me estranho. Se fosse outra revista, como a Marie Claire...", exemplifica. "Mas as directoras da Vogue de Nova Iorque, Paris, Milão têm sempre uma palavra a dizer [sobre as peças] antes da própria apresentação ao público", gozando de um acesso privilegiado aos grandes criadores. Pelo que a selecção das peças para produções de moda sempre lhe pareceu que "pressupõe uma cumplicidade, um consenso".
Os criadores visados pela carta ainda não reagiram publicamente, mas outros designers chamam a atenção para o que consideram ser "o ciclo vicioso" da moda e das suas imagens de magreza/beleza. Dino Alves, criador português, não concorda com as culpas atribuídas por Shulman aos designers. "Os tamanhos que fazemos como protótipos, para os desfiles, são 36, o que me parece ser absolutamente razoável", explica ao P2. São roupas para modelos, assim chamados por alguma razão, aponta: "São modelos estéticos, de beleza". E sim, "há peças que indiscutivelmente assentam melhor em corpos mais magros", admite. Para ele, nem modelos nem criadores são únicos responsáveis pela associação da moda à anorexia e outros distúrbios alimentares: o criador português defende que "se deveria reforçar o acompanhamento e a atenção que a família dá".
O debate está novamente lançado, com o ónus sobre os criadores. Mas nas palavras da supermodelo e empresária Heidi Klum (que veste o 36/38), na moda, num dia está-se in e no outro está-se out. No fim de 2006, Flor, uma das mais requisitadas modelos portuguesas, dizia ao PÚBLICO: "Os manequins são magros, é assim, é o que os estilistas querem, o que as revistas querem, é o padrão de beleza". Ontem, o designer italiano Kinder Aggugini, que trabalhou com John Galliano e Calvin Klein, dizia ao Guardian que "se amanhã todas as revistas, agências de modelos e stylists usassem raparigas maiores, então os criadores também o fariam". Ou seja, como um belo chapéu (ou carapuça), a tendência "tamanho zero" tem culpas que servem a quase todos - modelos, agências, criadores, editores de moda e até celebridades.
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