Coragem
2009-11-15 por Sofia
"Sou rapariga, tenho 16 anos e frequento o 12ºano.
Há já algum tempo que pensava em deixar aqui uma opiniao mas, só agora fui capaz de o fazer.
Sempre exigi o máximo de mim, levava o perfeccionismo ao máximo. Nunca gostei de mim mesma mas nao falava disso, como que essa omissao que eu fazia de mim me fizesse esconder dos "outros" - pura ilusão.
Há cerca de 3 anos atrás decidi começar a fazer uma dieta. E consegui. Perdi 5, 10, 15, 20kg; julgava-me capaz de controlar a situaçao e ignorava tudo aquilo que me diziam.
Perdi completamente a noçao da realidade. Quando dei por mim estava mergulhada numa anorexia e depressão profundas. Desliguei de tudo e todos. Deixei ter objectivos, sonhos, passatempos e estabilidade emocional. Vivia, para perder peso!
Era obcessivo: contava as calorias de tudo aquilo que comia, mentia aos meus pais sobre a comida (quando sozinha nao comia o que quer que fosse), era doentio!
A minha mae ja nao sabia como lidar com a situaçao. Muitas vezes quis desistir e eu também - aquilo nao era viver. Nada me dava prazer, excepto pesar-me e ver a balança sempre a descer.
A minha família definhava de dia para dia, como eu, de resto.
Nao dormia, nao comia, nao falava com ninguém, perdi a contas às vezes que deitei comida pela sanita ou na balde do lixo. Perdi-lhe a conta.
Poucos foram os dias em que fui para a escola sem ser a chorar - estava no limite, limite de tudo.
A agonia em que vivia parecia suplantar-se a tudo o resto; eu nao era feliz, queria parar mas nao conseguia. Queria parar mas já nao conseguia!
Viver daquela maneira era um suplício, algo que cada vez mais parecia ser impossível de suportar.
Os psicólogos, os nutricionistas, os avisos nada resultava. Embora (apenas parcialmente) consciente da debilidade que estava continuava a nao comer... Uma noite, após uma discussao enorme com os meus pais, tomei cerca de 14,15 calmantes. Queria dormir, dormir para sempre.
Nao tinha forças p'ra lutar mas, também nao era justo "obrigar" os pais a viver daquela maneira. (...) Ainda hoje, me culpo por esse acto (cobarde talvez mas, mais ainda, desesperado)
Ninguém imagina o que é o dia-a-dia de uma anorexia, ninguém imagina.
Ironicamente, a tentiva de a terminar talvez me tenha trazido de novo a ela, à vida!
Lembro-me, de chorar abraçada à minha mae e de lhe suplicar ajuda - uma ajuda "extra" que ela tantas vezes me ofereceu e eu tantas outras recusei. Aceitei, finalmente, a ajuda de um profissional. (A 1ª grande vitória de uma guerra que se arrastava há dois anos)
Cerca de duas semanas depois, fui à 1ª consulta com o Dr. Roma Torres; estava nessa altura do limite do peso mínimo e nessa mesma consulta o Dr. fez-me um plano alimentar. À medida que ele escrevia as refeiçoes, as lágrimas escorriam-me face abaixo. Pensava excessiva a quantidade de comida que ele me estava recomendar; De lágrimas nos olhos, vim para casa com o plano alimentar na mao. Nao o cumpri, minimamente.
15 dias depois lá estava eu para mais uma consulta, tinha perdido 2kg - o que era "proibido" de acontecer. Prometi ao Dr. e à minha mae que aquilo nao mais aconteceria e que na próxima consulta eu já havia recuperado o peso perdido. 15 dias mais tarde, lá estava eu novamente para uma consulta. O Dr. manda-me para o balança e o peso estava igual ao de há duas semanas atrás - nao tinha emagrecido, mas também nao tinha recuperado o peso como eu havia prometido.
Estava eu, o Dr. e a minha mae no consultório quando o telefone toca. Era a mae de outra paciente a ultimar os pormenores do internamento da filha - também ela vítima de uma anorexia nervosa. Eu, feita em lágrimas, e a minha mae assistimos à conversa do Dr. Roma Torres. Assim que termina a chamado, o Dr. olha para mim e diz-me "isto é o que lhe vai acontecer, senao começar a alimentar-se devidamente".
Uma vez mais, vim para casa a chorar. Estava como que presa num problema que me consumia, segundo após segundo. Mais uma discussao "forte" com a minha mae nessa noite. Discussao essa que me fez tomar consciência de que a poderia perder! A ela, aos meus amigos, à minha felicidade, ao meu futuro. O internamento era ... o "fim". Um fim que eu nao queria.
Estava na altura de dizer basta, com determinação e com vontade, de facto. A satisfaçao que o constante emagrecimento me provoca tinha de ser vencido pelo amor que eu ainda tinha à vida, aos meus amigos, à minha família e sobretudo a ela - à minha grande mae.
Por ela, por mim, por nós percebi que viver vale a pena! Sorrir vale a pena; lutar vale a pena; ser feliz vale a pena.
Hoje, melhor, ainda caio na tentaçao de olhar p'ras calorias ou de evitar certo tipo de alimentos. Ainda caio nessa tentaçao, mas cada vez menos.
Recuperei o brilho no olhar, a estabilidade emocional e familiar, o sonho da entrada em medicina, o gosto pela poesia e, sobretudo, o prazer de viver. Cada dia é, para mim, uma vitória, uma batalha vencida de uma guerra que cheguei a julgar ser incapaz de ultrapassar.
Hoje sei que nao é assim, o ser humano tem limtes de resistência enexcedíveis.
A todas (os) aqueles que se encontram numa situaçao como aquela que eu vivi, peço-lhes que Lutem, porque viver "vale sempre a pena".
Como um dia um amigo me disse, "é preciso viver nao apenas exitir e a vida é uma vitória mesmo que nem sempre ganhe"!
Coragem! "
2009-11-15 por Sofia
"Sou rapariga, tenho 16 anos e frequento o 12ºano.
Há já algum tempo que pensava em deixar aqui uma opiniao mas, só agora fui capaz de o fazer.
Sempre exigi o máximo de mim, levava o perfeccionismo ao máximo. Nunca gostei de mim mesma mas nao falava disso, como que essa omissao que eu fazia de mim me fizesse esconder dos "outros" - pura ilusão.
Há cerca de 3 anos atrás decidi começar a fazer uma dieta. E consegui. Perdi 5, 10, 15, 20kg; julgava-me capaz de controlar a situaçao e ignorava tudo aquilo que me diziam.
Perdi completamente a noçao da realidade. Quando dei por mim estava mergulhada numa anorexia e depressão profundas. Desliguei de tudo e todos. Deixei ter objectivos, sonhos, passatempos e estabilidade emocional. Vivia, para perder peso!
Era obcessivo: contava as calorias de tudo aquilo que comia, mentia aos meus pais sobre a comida (quando sozinha nao comia o que quer que fosse), era doentio!
A minha mae ja nao sabia como lidar com a situaçao. Muitas vezes quis desistir e eu também - aquilo nao era viver. Nada me dava prazer, excepto pesar-me e ver a balança sempre a descer.
A minha família definhava de dia para dia, como eu, de resto.
Nao dormia, nao comia, nao falava com ninguém, perdi a contas às vezes que deitei comida pela sanita ou na balde do lixo. Perdi-lhe a conta.
Poucos foram os dias em que fui para a escola sem ser a chorar - estava no limite, limite de tudo.
A agonia em que vivia parecia suplantar-se a tudo o resto; eu nao era feliz, queria parar mas nao conseguia. Queria parar mas já nao conseguia!
Viver daquela maneira era um suplício, algo que cada vez mais parecia ser impossível de suportar.
Os psicólogos, os nutricionistas, os avisos nada resultava. Embora (apenas parcialmente) consciente da debilidade que estava continuava a nao comer... Uma noite, após uma discussao enorme com os meus pais, tomei cerca de 14,15 calmantes. Queria dormir, dormir para sempre.
Nao tinha forças p'ra lutar mas, também nao era justo "obrigar" os pais a viver daquela maneira. (...) Ainda hoje, me culpo por esse acto (cobarde talvez mas, mais ainda, desesperado)
Ninguém imagina o que é o dia-a-dia de uma anorexia, ninguém imagina.
Ironicamente, a tentiva de a terminar talvez me tenha trazido de novo a ela, à vida!
Lembro-me, de chorar abraçada à minha mae e de lhe suplicar ajuda - uma ajuda "extra" que ela tantas vezes me ofereceu e eu tantas outras recusei. Aceitei, finalmente, a ajuda de um profissional. (A 1ª grande vitória de uma guerra que se arrastava há dois anos)
Cerca de duas semanas depois, fui à 1ª consulta com o Dr. Roma Torres; estava nessa altura do limite do peso mínimo e nessa mesma consulta o Dr. fez-me um plano alimentar. À medida que ele escrevia as refeiçoes, as lágrimas escorriam-me face abaixo. Pensava excessiva a quantidade de comida que ele me estava recomendar; De lágrimas nos olhos, vim para casa com o plano alimentar na mao. Nao o cumpri, minimamente.
15 dias depois lá estava eu para mais uma consulta, tinha perdido 2kg - o que era "proibido" de acontecer. Prometi ao Dr. e à minha mae que aquilo nao mais aconteceria e que na próxima consulta eu já havia recuperado o peso perdido. 15 dias mais tarde, lá estava eu novamente para uma consulta. O Dr. manda-me para o balança e o peso estava igual ao de há duas semanas atrás - nao tinha emagrecido, mas também nao tinha recuperado o peso como eu havia prometido.
Estava eu, o Dr. e a minha mae no consultório quando o telefone toca. Era a mae de outra paciente a ultimar os pormenores do internamento da filha - também ela vítima de uma anorexia nervosa. Eu, feita em lágrimas, e a minha mae assistimos à conversa do Dr. Roma Torres. Assim que termina a chamado, o Dr. olha para mim e diz-me "isto é o que lhe vai acontecer, senao começar a alimentar-se devidamente".
Uma vez mais, vim para casa a chorar. Estava como que presa num problema que me consumia, segundo após segundo. Mais uma discussao "forte" com a minha mae nessa noite. Discussao essa que me fez tomar consciência de que a poderia perder! A ela, aos meus amigos, à minha felicidade, ao meu futuro. O internamento era ... o "fim". Um fim que eu nao queria.
Estava na altura de dizer basta, com determinação e com vontade, de facto. A satisfaçao que o constante emagrecimento me provoca tinha de ser vencido pelo amor que eu ainda tinha à vida, aos meus amigos, à minha família e sobretudo a ela - à minha grande mae.
Por ela, por mim, por nós percebi que viver vale a pena! Sorrir vale a pena; lutar vale a pena; ser feliz vale a pena.
Hoje, melhor, ainda caio na tentaçao de olhar p'ras calorias ou de evitar certo tipo de alimentos. Ainda caio nessa tentaçao, mas cada vez menos.
Recuperei o brilho no olhar, a estabilidade emocional e familiar, o sonho da entrada em medicina, o gosto pela poesia e, sobretudo, o prazer de viver. Cada dia é, para mim, uma vitória, uma batalha vencida de uma guerra que cheguei a julgar ser incapaz de ultrapassar.
Hoje sei que nao é assim, o ser humano tem limtes de resistência enexcedíveis.
A todas (os) aqueles que se encontram numa situaçao como aquela que eu vivi, peço-lhes que Lutem, porque viver "vale sempre a pena".
Como um dia um amigo me disse, "é preciso viver nao apenas exitir e a vida é uma vitória mesmo que nem sempre ganhe"!
Coragem! "
Este texto da Sofia foi publicado originalmente na página da afaab. Escrevi à autora a pedir autorização para a sua publicação neste blogue. Respondeu-me terminando assim:
"Mas o mais importante é vencer; histórias como a minha e como a sua são um incentivo à luta daqueles que se debatem com a guerra que é (sobre)viver numa anorexia. Tal como me ajudaram a mim, é com todo o gosto que disponibilizo o meu testemunho para ajudar todos aqueles que mais necessitam. Pois, quando frágeis, toda a ajuda nos parece pouca e, como tal, quanto maior os recursos fornecidos mais pessoas poderemos ajudar e maior é o conforto connosco mesmos.Nem que seja uma pessoa, já valeu a pena ter publicado o meu testemunho."
Obrigada Sofia !
Imagem: flickr andersn (aqui)
Imagem: flickr andersn (aqui)
3 comments:
Estamos juntos nesta luta!
Obrigado eu.
Conseguis-te...
És a minha heroína...
Muitos tem inveja de seres a pessoa que és... mas as pessoas que te amam e que te apoiam nos momentos mais marcantes da tua vida são aquelas que te admiram muito, e que fazem de tudo para de ver feliz,eu admiro-te...
bjs gosto muito de ti <3
ForÇa
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